sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

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A vida em Hoteleiras nunca foi muito agitada. Como toda cidade do interior, tudo que acontecia era passado pelo famoso "boca a boca" pra todos os moradores. A única festa que recebia turistas era a festa da Goiaba. Nesse dia toda a cidade parava pra fabricar doces, comidas, bebidas, tudo à bse de goiaba. Muitos visitantes, algumas vezes até de cidades grandes, vinham prestigiar a festa.

A prefeitura de Holeteiras sempre contratava aquelas empresas de brinquedos eletrônicos, assim como rodas-gigantes, tiro-ao-alvo e por assim vai. Nessa festa é onde os jovens começam a paquerar sobre os olhares furtivos de seus parentes ou amigos de parentes. As mães liberam suas "princesas" para irem à festa só depois dos 16 anos, contando com a sorte de encontrarem um rapaz da cidade grande para casar com suas filhas.

As mais tradicionais preferem quando suas filhas se casam com os filhos dos homens importantes de Hoteleiras, assim ficam perto da casa da família, cuidando da casa e dos filhos, levando durante anos o nome e a fama de cada família.

As mais sonhadoras rezam para suas filhas encontrarem um rapaz de fora, para assim poder ter a oportunidade de uma vida melhor, de uma vida mais moderna.

Hoteleiras é uma cidade que parou no tempo. Os anos passam, a tecnologia avança, as notícias se espalham, mas a cidade ainda funciona manualmente. Desde assar o pão até passar a roupa, tudo como antigamente.

Divórcio é crime.
Adultério é motivo de exílio.
Casamento bem sucedido é casamento de gente rica.
Amor vem em último lugar.

E assim Letícia cresceu. Quando era apenas uma menininha, já mostrava sinais de uma personalidade muito forte. Não se prendia às atividades domésticas, não gostava de bonecas, adorava escapar da igreja e nunca tinha medo de nada.

Para sua mãe, a menina tinha um encosto. Já havia chamado o padre, o pastor, o ministro, até o curandeiro, mas nada fazia Letícia ser igual às outras meninas.Nem mesmo na escola ela tinha amigos. Pobre tradição da cidade!

Uma vez Dona Rosa varria sua calçada, como de costume, enquanto Letícia se sujava de barro. A criança agora com 9 anos de idade ainda passava o tempo brincando sozinha, ou se sujando ou correndo. Mas nunca varrendo o chão. Esse dia D.Rosa gritou do outro lado da casa, com esperanças que a puberdade tenha ensinado modos à Letícia:

- Letícia minha filha, venha ajudar sua mãe! gritou sem esperanças.
- Pra quê mãe? Uma hora que varro o chão e outra que piso nele sujo da mesma forma.
- Menina, onde foi que você aprendeu a ser tão irritante? - já não pega de surpresa.
- Foi o homem que passou e me contou... - respondeu a menina com o olhar perdido.

Homem. Essa era sempre a desculpa de Letícia. Para tudo que a perguntavam, respondia da mesma forma "Foi o homem que passou e me contou...". Sua família sabia que não passava de uma mentira, nenhum homem além de seu pai e tios passavam na casa. A família Gouvinho morava em uma casa bem distante do centro da cidade, e essa era a única casa da região. Foi construída à essa distância porque o pai de Letícia, Sr. Alberto, gostava de calmaria, detestava barulho, ou bagunça.

Então, a cada pergunta feita, a resposta era a mesma. O homem. Dona Rosa e Sr.Alberto já não se lamentavam mais, já não sorriam mais, já não se importavam. Seja quem for o homem que passava sempre por ali e contava coisas à menina, ele não passava de uma ilusão de uma criança com personalidade.
Uma criança que ouvia um homem...

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